sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

Em favor da Mata Municipal do Bombarral

A Mata Municipal do Bombarral constitui um património inestimável, revestindo-se de um valor histórico, natural e paisagístico único, mas que tem sido descurado ultimamente. As suas potencialidades são imensas e estão na maior parte por explorar.

Não são muitas as localidades em Portugal que têm a sorte de ter no seu centro, junto ao coração, uma área florestal com estas características. Mas, reconhecer este valor implica apostar na sua valorização, isto é, conservação, promoção e enquadramento urbanístico. É um dever cívico e é também um investimento consensual e sem risco, com o retorno assegurado.

Não é por acaso que o actual PDM classifica a Mata Municipal de Interesse Concelhio (artigo 15º). Aliás, erroneamente já que, na verdade, ela está classificada e bem como de Interesse Público (Diário do Governo 299, II Série, 24 de Dezembro de 1941). De qualquer forma, prevê-se a existência de uma zona de protecção envolvente de 50 metros. Mais, o Decreto-Lei 28468 de 15 de Fevereiro de 1938, relativo à classificação de Interesse Público, está em vigor e obriga a que seja pedida à Direcção Geral das Florestas autorização para realizar qualquer arranjo.

As construções à volta da Mata Municipal têm proliferado nos últimos quinze anos, incluindo, quase sempre, caves e outras funções no subsolo, para além das fundações, estas feitas, em consequência, a maior profundidade. Qualquer cidadão atento pode enumerar rapidamente vários exemplos do que está a acontecer, mas o caso mais recente e paradigmático será a construção em curso, pela própria autarquia, de um espaço subterrâneo para arquivo, englobado no projecto de remodelação do edifício dos Paços do Concelho.

Mas, qual o inconveniente de construções subterrâneas nas imediações da Mata? Queremos responder a esta pergunta, por dever de consciência, e lançar um alerta para o que está a acontecer ultimamente no interior da Mata Municipal:

Na década de 1990, verificou-se um corte intensivo de vegetação, diminuindo a quantidade de água extraída do solo pelas plantas e libertada para a atmosfera por evapotranspiração.

Actualmente, verifica-se a formação, no Inverno, de grandes poças de água no interior dos talhões, que persistem por vários dias ou semanas.

Verifica-se ainda a queda abrupta de árvores de grande porte, por perda de sustentação das suas raízes. Par dar um exemplo concreto, nos últimos dias do ano findo, assim caiu um carvalho cerquinho, com cerca de 14 m de altura e 97 cm de DAP (diâmetro à altura do peito). As árvores tombadas apresentavam, invariavelmente, sintomas de asfixia radicular, isto é, apodrecimento das suas raízes devido a excesso de água.

Estes indícios apontam para uma saturação anormal do solo em água, sobretudo no Inverno e constituem um sinal de alerta, por parte da natureza. O problema em causa deve-se às alterações no escoamento subterrâneo do lençol freático que se dirige para o Rio Real, provocadas pelas novas construções subterrâneas em redor da Mata, que actuam como verdadeiras barragens subterrâneas, retendo a água infiltrada naturalmente e dificultando, atrasando ou impedindo mesmo o seu escoamento. O lençol freático, que já se encontrava condicionado lateralmente a Norte, vê-se agora condicionado a Este, que, sendo também o lado jusante, se torna assim particularmente gravoso.

Julgamos urgente mudar radicalmente esta situação, sob pena de, em nome de um falso progresso, tornarmos insustentável o destino desta Mata, antiga coutada, “velha família de gigantes", em boa hora adquirida pela Câmara Municipal do Bombarral, em 1940.

Se esta perspectiva está ausente na obra de remodelação do edifício dos Paços do Conselho, será um erro ou omissão grave do projecto, a que a Câmara deve atender, quanto antes. Trata-se de facto de uma obra levada a cabo pela própria autarquia, a quem compete dar o melhor exemplo, e nunca o pior. Numa visão redutora, refere agora a Câmara que "o jardim irá ficar exactamente como estava inicialmente"; esquecendo-se que, com a água e as plantas, como aliás acontece connosco, a vida não é só o que vemos mas sobretudo o que não vemos. Parafraseando a canção, é preciso avisar toda a gente: prosseguindo assim estas obras da Câmara, o jardim e a mata nunca mais irão ficar como estavam inicialmente!

REAL 21 – Associação de Defesa do Rio Real

2004.02.13