A Mata Municipal reveste-se de grande interesse, não só por constituir um dos últimos redutos da vegetação que há alguns séculos dominava a região, mas também porque algumas destas espécies apresentam exemplares com dimensões absolutamente invulgares, chegando alguns sobreiros a ultrapassar os 20 metros de altura. Saliente-se ainda o facto de se encontrar nesta Mata, com grande abundância, a gilbardeira (Ruscus aculeatos), uma espécie que está em vias de extinção e que por isso se encontra protegida por lei.
A Mata Municipal do Bombarral foi considerada de Interesse Público em 1941 (Diário do Governo 299, II Série de 24/12).
Um estudo de 1991, realizado por técnicos do Instituto Superior de Agronomia, revelou que a propagação de loureiro (Larus nobilis) estava a impedir a regeneração natural de algumas espécies, nomeadamente do género Quercus; e que algumas trepadeiras - sobretudo heras (Hedera helix) - estavam a colocar em perigo a sobrevivência de várias "árvores notáveis". Estas revelações levaram a que, em Dezembro de 97, a Câmara Municipal do Bombarral tenha iniciado uma "limpeza" drástica que inclui não só loureiros mas, também, gilbardeiras.
Zona intervencionada |
Zona não intervencionada |
Em 29 de Dezembro último, a Real 21, por carta dirigida ao sr. Presidente da Câmara, alertou esta autarquia para o facto de as condições naturais da Mata (nomeadamente de temperatura e humidade) estarem a ser profunda e perigosamente alteradas, o que poderia vir a ter consequências imprevisíveis. Porém, a tal carta não obtivemos qualquer resposta e a intervenção, levada a cabo por funcionários da Câmara, continuou.
Excerto da carta:
Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bombarral
29 de Dezembro de 1997
Assunto: Intervenção na Mata Municipal.
(...)não podemos deixar de alertar para alguns aspectos que nos parecem importantes:
a) uma intervenção desta natureza deve ter por base um estudo INTEGRADO do ecossistema em causa e não apenas dos estratos arbóreo e arbustivo;
b) as espécies existentes na Mata, nomeadamente as arbóreas, apresentam características morfológicas que revelam adaptações a este ambiente específico, isto é, a condições particulares de luminosidade, temperatura e humidade;
c) a actual intervenção está a alterar de forma brusca os factores abióticos (sobretudo os referidos em b), com consequências imprevisíveis;
d) como se sabe pouco sobre o estrato arbustivo e quase nada sobre o herbáceo, dificilmente se conhecerão as relações bióticas existentes entre ambos, dentro de cada um deles e, muito menos, as relações fauna/flora;
e) em nossa opinião, são muitas (talvez demasiadas) as variáveis intervenientes para que uma intervenção desta natureza se possa fazer sem se correrem graves riscos;
f) nestas condições, em caso algum deveria ser feita, para já, uma intervenção generalizada, excepto no que se refere ao levantamento de árvores derrubadas e que possam estar a provocar o derrube de outras. Qualquer outra intervenção deverá ser feita, inicialmente e a título experimental, numa área restrita e bem delimitada; só depois de bem estudadas as consequências desta intervenção inicial, se deveria avançar para áreas mais alargadas ou propor formas alternativas de intervenção.
Contamos com a disponibilidade de V.Ex.ª para reflectir sobre os aspectos mencionado, pois, parecem-nos reunidas todas as condições para que esta intervenção venha a ser um tiro pela culatra.
Perante os factos apresentados, vimos, deste modo, propor a V.Ex.ª a suspensão imediata desta intervenção.
Desde já nos colocamos ao inteiro dispor de V.Ex.ª para qualquer esclarecimento e/ou participação no estudo de soluções alternativas.
Com os mais respeitosos cumprimentos,
REAL 21
Nota: em 29 de Janeiro foi enviada cópia à Direcção Regional do Ambiente (DRA) e ao Instituto de Conservação da Natureza (ICN)
Continuamos preocupados com o impacto que esta intervenção terá na Mata Municipal. Aceitamos que possa apresentar, à primeira vista, alguns benefícios, mas receamos que esta não seja a melhor forma de resolver os problemas da Mata Municipal do Bombarral. A REAL 21 está a contactar diversos técnicos no sentido de darem o seu parecer e já solicitou ao ICN a visita de um especialista.
A título de conclusão, iremos transcrever um excerto do estudo realizado em 1991 por Angelo M. Carvalho Oliveira e António M. Dorotea Fabião (ambos do Departamento de Engenharia Florestal do I.S.A.), o qual sustenta a actual intervenção:
« Deve salientar-se, contudo, que a observação mais atenta das características da mata não recomenda acções muito drásticas em matéria de eliminação da vegetação actualmente existente e cuja presença não seja de todo desejável no futuro próximo ou a médio prazo. Com efeito, alterações súbitas do actual ambiente da Mata, incidindo sobre áreas consideráveis, podem ter consequências imprevisíveis quanto à composição da vegetação que se venha a estabelecer em seguida. Corre-se o risco de substituir loureiros e árvores mortas (ou em vias de morrer) por espécies cuja presença seja ainda menos recomendável e que não têm, actualmente, uma representação significativa, por não encontrarem condições ambientais para tanto.»