terça-feira, 1 de dezembro de 1998

Intervenção na Mata Municipal

 A Mata Municipal do Bombarral é uma mancha florestal com cerca de 3,5 hectares, constituída, essencialmente, por medronheiros (Arbutus unedo), loureiros (Larus nobilis), adernos (Phillyrea sp.), aroeiras (Pistacia lentiscus), carrascos (Quercus coccifera), carvalhos (Quercus faginea), zambujeiros (Olea europea var. silvestris), freixos (Fraxinus angustifolia), buxos (Buxus sempervirens), folhados (Viburnum tinus) entre outras.

A Mata Municipal reveste-se de grande interesse, não só por constituir um dos últimos redutos da vegetação que há alguns séculos dominava a região, mas também porque algumas destas espécies apresentam exemplares com dimensões absolutamente invulgares, chegando alguns sobreiros a ultrapassar os 20 metros de altura. Saliente-se ainda o facto de se encontrar nesta Mata, com grande abundância, a gilbardeira (Ruscus aculeatos), uma espécie que está em vias de extinção e que por isso se encontra protegida por lei.

A Mata Municipal do Bombarral foi considerada de Interesse Público em 1941 (Diário do Governo 299, II Série de 24/12).

Um estudo de 1991, realizado por técnicos do Instituto Superior de Agronomia, revelou que a propagação de loureiro (Larus nobilis) estava a impedir a regeneração natural de algumas espécies, nomeadamente do género Quercus; e que algumas trepadeiras - sobretudo heras (Hedera helix) - estavam a colocar em perigo a sobrevivência de várias "árvores notáveis". Estas revelações levaram a que, em Dezembro de 97, a Câmara Municipal do Bombarral tenha iniciado uma "limpeza" drástica que inclui não só loureiros mas, também, gilbardeiras.

Zona intervencionada

Zona não intervencionada

Em 29 de Dezembro último, a Real 21, por carta dirigida ao sr. Presidente da Câmara, alertou esta autarquia para o facto de as condições naturais da Mata (nomeadamente de temperatura e humidade) estarem a ser profunda e perigosamente alteradas, o que poderia vir a ter consequências imprevisíveis. Porém, a tal carta não obtivemos qualquer resposta e a intervenção, levada a cabo por funcionários da Câmara, continuou.

Excerto da carta:

Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bombarral

29 de Dezembro de 1997

Assunto: Intervenção na Mata Municipal.

(...)não podemos deixar de alertar para alguns aspectos que nos parecem importantes:

a) uma intervenção desta natureza deve ter por base um estudo INTEGRADO do ecossistema em causa e não apenas dos estratos arbóreo e arbustivo;

b) as espécies existentes na Mata, nomeadamente as arbóreas, apresentam características morfológicas que revelam adaptações a este ambiente específico, isto é, a condições particulares de luminosidade, temperatura e humidade;

c) a actual intervenção está a alterar de forma brusca os factores abióticos (sobretudo os referidos em b), com consequências imprevisíveis;

d) como se sabe pouco sobre o estrato arbustivo e quase nada sobre o herbáceo, dificilmente se conhecerão as relações bióticas existentes entre ambos, dentro de cada um deles e, muito menos, as relações fauna/flora;

e) em nossa opinião, são muitas (talvez demasiadas) as variáveis intervenientes para que uma intervenção desta natureza se possa fazer sem se correrem graves riscos;

f) nestas condições, em caso algum deveria ser feita, para já, uma intervenção generalizada, excepto no que se refere ao levantamento de árvores derrubadas e que possam estar a provocar o derrube de outras. Qualquer outra intervenção deverá ser feita, inicialmente e a título experimental, numa área restrita e bem delimitada; só depois de bem estudadas as consequências desta intervenção inicial, se deveria avançar para áreas mais alargadas ou propor formas alternativas de intervenção.

Contamos com a disponibilidade de V.Ex.ª para reflectir sobre os aspectos mencionado, pois, parecem-nos reunidas todas as condições para que esta intervenção venha a ser um tiro pela culatra.
Perante os factos apresentados, vimos, deste modo, propor a V.Ex.ª a suspensão imediata desta intervenção.
Desde já nos colocamos ao inteiro dispor de V.Ex.ª para qualquer esclarecimento e/ou participação no estudo de soluções alternativas.

Com os mais respeitosos cumprimentos,

REAL 21

Nota: em 29 de Janeiro foi enviada cópia à Direcção Regional do Ambiente (DRA) e ao Instituto de Conservação da Natureza (ICN)

Continuamos preocupados com o impacto que esta intervenção terá na Mata Municipal. Aceitamos que possa apresentar, à primeira vista, alguns benefícios, mas receamos que esta não seja a melhor forma de resolver os problemas da Mata Municipal do Bombarral. A REAL 21 está a contactar diversos técnicos no sentido de darem o seu parecer e já solicitou ao ICN a visita de um especialista.

A título de conclusão, iremos transcrever um excerto do estudo realizado em 1991 por Angelo M. Carvalho Oliveira e António M. Dorotea Fabião (ambos do Departamento de Engenharia Florestal do I.S.A.), o qual sustenta a actual intervenção:

« Deve salientar-se, contudo, que a observação mais atenta das características da mata não recomenda acções muito drásticas em matéria de eliminação da vegetação actualmente existente e cuja presença não seja de todo desejável no futuro próximo ou a médio prazo. Com efeito, alterações súbitas do actual ambiente da Mata, incidindo sobre áreas consideráveis, podem ter consequências imprevisíveis quanto à composição da vegetação que se venha a estabelecer em seguida. Corre-se o risco de substituir loureiros e árvores mortas (ou em vias de morrer) por espécies cuja presença seja ainda menos recomendável e que não têm, actualmente, uma representação significativa, por não encontrarem condições ambientais para tanto.»